CRÔNICA – O jovem e o velho: reflexões sobre a finitude; por Feliphe Rojas

Por Fonte83 - 28/05/2025

Esses dias, no estúdio de rádio onde trabalho, entre cabos, microfones e doses exageradas de café, recebemos um daqueles entrevistados que mudam o clima do lugar: um senhor de 90 anos. E não era qualquer nonagenário — já foi deputado federal, já foi prefeito de uma cidade importante. Diferente da pompa que ostentava outrora, com ternos e gravatas pela liturgia dos cargos que exercia, vestia agora uma blusa fina e confortável. Com o passo lento, auxiliado por mãos que se apoiavam nas paredes, seguiu firme e confiante até o microfone.

Mais do que o currículo e a memória invejável — de quem lembrava de cada fato e decisão importante da própria vida —, o que me chamou a atenção, e hoje me motiva a escrever esta crônica, foi a consciência plena da própria finitude. Ele sabia. Sabia que o tempo para ele já não se contava em décadas ou planos distantes. Sabia que os dias são mais preciosos porque são menos. E falava disso com uma serenidade que me desconcertava e me fazia, inevitavelmente, pensar como eu me sentiria em seu lugar. Também estaria calmo e sereno? Ou ansioso e angustiado diante do pouco tempo restante?

Durante a entrevista, alguém ligou. Um amigo antigo — desses que a vida empurra para longe, mas que permanecem vivos nas memórias compartilhadas. O senhor sorriu ao ouvir a voz do outro lado da linha e disse, com a naturalidade de quem comenta a previsão do tempo:


“Olhe, mas não demore para me visitar, não. Já tô com 90 anos.”

Aquilo me atravessou. Fiquei pensando por horas — e ainda penso agora. Por que será que, enquanto os jovens evitam falar da morte como se fosse um palavrão, um tabu, os mais velhos a aceitam como uma velha conhecida? Por que nós, que temos — teoricamente — a vida inteira pela frente, ficamos tão angustiados com a ideia do fim, enquanto eles, mais próximos dele, lidam com calma, até com certa leveza?

Talvez seja isso: ter a vida inteira pela frente é um peso. Uma promessa ansiosa de que precisamos fazer tudo, ser tudo, alcançar tudo. E, nesse “tudo”, nos perdemos. Vivemos como se sempre houvesse um amanhã para ligar para alguém, começar um projeto, pedir desculpas ou dizer “eu te amo”.

Mas para aquele senhor, ali no estúdio, só existia o hoje. Não havia margem para adiar visitas, conversas, afetos. O agora era o tempo real. O único tempo.

Será que, ao fim da vida, vem uma paz que só quem completou os ciclos consegue sentir? Uma espécie de tranquilidade por ter vivido o que precisava — infância, juventude, trabalho, família, netos? Ou será uma fé discreta, mas firme, num outro plano? Uma crença que conforta diante do inevitável?

Talvez seja um pouco de tudo isso. Ou talvez seja apenas a sabedoria de quem entendeu — tarde ou não — que adiar a vida é desperdiçá-la.

Fico aqui, jovem e ansioso, cheio de ciclos pela metade e outros nem iniciados, tentando aprender com ele. Sabendo que viver o hoje é o caminho. Mas, ah, como é difícil. Entender o que se deve fazer é fácil. Difícil é levantar e fazer.

Enquanto escrevo, penso que talvez as respostas não sejam o mais importante — mas, sim, o modo como as perguntas nos movem.

O dia de fazer é hoje. Porque o amanhã, como cantam os Titãs, “não se sabe”.