José Maranhão era um dos últimos remanescentes da geração que entrou para a política antes do Golpe de 1964, talvez o único ainda em atividade. Nacionalista, entrou para o PTB varguista numa conjuntura de radicalização política muito semelhante a que o país vive hoje, e pelo PTB elegeu-se deputado estadual em 1955. Manteve-se filiado ao partido até 1965, quando foi cassado pela ditadura civil-militar recém instalada.
Ao invés de aderir ao regime, como muitos fizeram, José Maranhão preferiu cuidar das empresas da família e esperar para retornar à política quando as condições permitissem. Veio o início da abertura política, a campanha pela Anistia, a ditadura começou a dar sinais de esgotamento e, no gradualismo próprio das mudanças brasileiras, com a volta das eleições para governador, o fim do bipartidarismo. PDT, PT e PTB foram criados, enquanto o partido dos militares e dos civis que apoiavam o regime, a Arena, virou PDS, e o MDB, o partido-único da oposição, manteve-se parcialmente como uma frente e agregou um P ao nome da legenda, virando PMDB.
Em 1982, ainda na ditadura, José Maranhão voltou à política. Candidatou-se e elegeu-se deputado federal pelo PMDB, dando início a uma trajetória de conquistas de mandatos que só a derrota de 2010 ao governo interromperia, trajetória retomada na eleição seguinte para o Senado, a última vitória de sua vida, interrompida ontem, aos 87 anos, pela covid, que o ex-governador da Paraíba por três vezes provavelmente adquiriu durante ou no fluxo pós campanha eleitoral de 2020.
Tive a oportunidade de conhecer mais de perto Maranhão na campanha para prefeito de João Pessoa de 2012. Duas contingências me levaram a apoiá-lo naquela eleição: a aliança PT-PPS e a situação da UFPB, que corria o risco de sofrer uma intervenção em razão da vitória de Margareth Diniz, que só foi nomeada aos 45 minutos do segundo tempo, e só depois da eleição daquele ano.
Duas imagens contrastantes daquela eleição foram muito eloquentes para mostrar no que havia se transformado a política: a residência cheia e animada do início da campanha, os paparicados, a luta quase fraticida para ter atenção do candidato, isso enquanto ele tinha boas expectativas de vitória, que foram se diluindo ao longo da campanha; e a desolação da noite da derrota, quando só eu e ele escrevemos a nota de agradecimento aos eleitores, sob a vigilância de Virgínia Morais .
Quando sai da residência de José Maranhão para nunca mais retornar outra vez, eu tinha outra imagem pessoal sobre aquele ancião de mais de 80 anos que tinha uma energia física e intelectual inesgotável. Não foram poucas as vezes em que, nas oportunidades em que tivemos de conversar sobre outros assuntos que não campanha eleitoral, vi-me diante da fluidez com a qual Maranhão tratava determinados temas, que acabei me dando conta do quanto era não só injusta, mas absolutamente distante da realidade, a sua fama de inculto. Quantas vezes escutei de semi-alfaberizados comentários jocosos apenas por que Maranhão manteve o hábito de não pronunciar corretamente determinadas palavras, o que talvez fosse reforçado pela aparência demodè do bigode, do penteado e dos óculos. O que significa dizer que Maranhão, com todas as diferenças políticas que nunca escondi dele, nunca foi um político de laboratório. Em razão disso, digo, com pouca margem para dúvida, que Maranhão estava entre os mais cultos dos políticos paraibanos.
Ao receber, ontem, a notícia da morte de José Maranhão, que já me parecia inevitável, lembrei de uma previsão, que eu gostava de fazer, em tom de brincadeira, mas amparada nos fatos, não vai mais se realizar por conta da covid: Maranhão não vai completar seus 100 anos fazendo política.
O que é uma pena.