Eu vejo gente machista… o tempo todo

Por Fonte83 - 22/12/2020

Lorrayne Damares da Silva – de 19 anos. Encontrada morta em avançado estado de decomposição, às margens do Rio Paraíba, nas proximidades da região conhecida como Café do Vento, no município de Sobrado, Paraíba.

Isa Penna. Deputada Estadual. Assediada no plenário da Assembleia Legislativa de São Paulo durante uma sessão, sem o menor pudor.

Daniella Martins. Vereadora de Bayeux. Ex-esposa do vice-prefeito Adriano Martins. Achincalhada em público por, supostamente, ter traído o então marido.

O que essas três histórias têm em comum? Todas elas tiveram a permissão de gente machista que está sempre se questionando o porquê de a mulher ter feito algo que justificaria a atitude de machos escrotos que ainda acreditam ter o poder de dominar suas vidas.

Vejamos essa última história. Como jornalista ouço rádio e, obviamente, não me limito a ler o que se escreve no site onde trabalho. Acompanho todos, ou quase todos, já que em nosso estado o que mais se tem atualmente é site.

Na semana passada me deparei, no público, com uma história, que está repercutindo muito, e que deveria estar sendo resolvida na vida privada. Alegando ter sido traído, Adriano Martins, se viu no direito de difamar publicamente a sua, agora, ex-esposa. Saiu gravando entrevistas para rádios e atendendo jornalistas de todos os veículos que o procuraram – de repente foi ele quem procurou, sei lá – para contar como tinha se tornado ‘vítima’ de uma traição.

As manchetes usaram os termos mais pejorativos e machistas que se possa imaginar e que eu me recuso a repetir nesse espaço tão carinhosamente a mim cedido. No rádio, comunicadores se acharam altamente capazes de rir da situação e fazer chacota.

A verdade, porém, é que o que assistimos – ou ouvimos e lemos – faz parte de uma cultura machista enraizada nessa sociedade patriarcal que insiste em dizer aos homens que eles têm direito de lançar fogo sobre uma mulher e queimá-la tal qual as que eram tidas como bruxas durante o período da inquisição.

Machismo seboso que faz piadinhas nos bastidores, onde os ‘rapazes puritanos’ inflam seus egos para cuspir as mais baixas palavras contra uma mulher.

O contrário, fosse Adriano o autor da suposta traição, estariam todos parabenizando-o pelo feito por ele estar provando o quanto é um garanhão.

E não é exagero meu. É esse machismo que faz homens acreditarem que podem agredir as mulheres e até mesmo matá-las sob a justificativa de que estão ‘limpando sua honra’. É por ter quem ache engraçadinho esse tipo de comportamento que nós, jornalistas, noticiamos todos os dias a morte de mulheres que nunca tiveram o direito de se defender e nem de ver seus filhos crescerem.

Quando você ri, quando você faz piada de histórias assim, você está dando todo seu aval para a perpetuação da violência contra mulher.

E saiba: talvez sua irmã, sua prima, sua tia, seja uma das que vivencia a violência diariamente calada porque sabe que se denunciar o que vive será vítima de chacota, quando não, perderá a própria vida.

Os números do machismo

Conforme publicação do G1/PB, em reportagem muito bem feita pela minha amiga Dani Fechine, 81 mulheres foram mortas por crimes letais intencionais na Paraíba. Deste total, 29 casos estão sendo investigados como feminicídio.

Lei de Acesso à Informação

Creiam, ela precisou, conforme a matéria, usar a Lei de Acesso à Informação para conseguir os dados. É que só quem é jornalista de redação sabe o quanto é difícil arrancar dados da Secretaria de Segurança desse estado.

Enquanto isso…

As ações de combate e prevenção a violência contra mulher ainda são ineficazes. E isso no Brasil inteiro. Não somos, nós mulheres, todas nós, consideradas um assunto primordial na sociedade, ao menos não quando o tópico é a violência que sofremos todos os dias. Mas a discussão tem ganhado cada vez mais espaço nos meios de comunicação sérios, o que nos faz acreditar que haverá mudanças e que temos que lutar para que elas aconteçam.