A Câmara dos Deputados exonerou discretamente a médica Louise Figueiredo de Lacerda do gabinete do deputado Hugo Motta (Republicanos–PB) após questionamentos da imprensa sobre acúmulo de cargos públicos. A demissão da servidora só foi registrada no sistema oficial depois de a Folha de S.Paulo revelar que, mesmo formada e empregada em duas prefeituras paraibanas, ela ainda figurava como secretária parlamentar da presidência da Câmara.
Louise, filha de um ex-vereador e sobrinha de um suplente de deputado estadual, ambos do Republicanos, exercia funções médicas nas prefeituras de João Pessoa e Alhandra. Mesmo com vínculo ativo e carga horária de 20 horas semanais em Alhandra, além de um salário de R$ 9,4 mil mensais na capital paraibana, ela permaneceu nomeada no gabinete de Motta — com salário fixo e benefícios que, desde 2018, somam cerca de R$ 240 mil aos cofres públicos.
A exoneração da servidora só apareceu no portal da Câmara após os questionamentos da reportagem. Até então, ela seguia oficialmente lotada no gabinete da presidência da Casa. O ato de exoneração ainda não foi publicado nos boletins administrativos internos, o que levanta dúvidas sobre a data real de seu desligamento.
Desvios e acúmulos
O cargo de secretária parlamentar exige dedicação exclusiva e proíbe qualquer outro vínculo público. No entanto, não há controle biométrico de jornada para servidores lotados fora de Brasília — o que facilita a manutenção de funcionários que não exercem, de fato, suas funções. Louise foi inicialmente contratada em 2018, quando ainda cursava Farmácia. No ano seguinte, ingressou em Medicina, passou um semestre em Mossoró – RN, e depois concluiu o curso em João Pessoa, sem deixar de receber como assessora do deputado.
Ela foi oficialmente contratada pela Prefeitura de João Pessoa em julho de 2025, e passou a atuar em uma unidade de saúde da família. Já o vínculo com a Prefeitura de Alhandra foi registrado no sistema do Ministério da Saúde em setembro deste ano. Questionada, Louise negou a atuação em Alhandra, embora os dados federais indiquem que segue ativa no cargo.
“Não lembro o mês em que fui exonerada”, disse ela à Folha, em tom vago. Em julho, ao ser procurada pela primeira vez sobre o tema, desligou o telefone, não respondeu aos questionamentos e bloqueou a equipe de reportagem.
Alianças e apadrinhamento político
Louise é filha de Marcílio Lacerda, ex-vereador por três mandatos em Conceição -PB, e sobrinha de Nilson Lacerda, suplente de deputado estadual. Ambos são aliados históricos de Hugo Motta no Republicanos. A relação familiar explica, em parte, sua permanência prolongada no gabinete, mesmo diante de evidências de não cumprimento de jornada.
O próprio Nilson, em post recente nas redes sociais, classificou Motta como “amigo, exemplo e inspiração”.
Reincidência e silêncio
A história de Louise não é um caso isolado. Em julho, a Folha revelou que o gabinete de Hugo Motta mantinha ao menos outras duas funcionárias fantasmas: Gabriela Pagidis, fisioterapeuta com atuação em clínicas privadas, e Monique Magno, que exercia cargo na Prefeitura de João Pessoa. Ambas foram exoneradas após a primeira denúncia.
Além disso, outro nome chamou atenção: um homem apontado como caseiro da fazenda de Motta em Serraria – PB também aparece como assessor parlamentar. O site Metrópoles ainda revelou que a chefe de gabinete do deputado, Ivanadja Velloso, possui procurações para movimentar as contas bancárias de diversos funcionários do gabinete, algo incomum em repartições públicas.
Procurado novamente, o deputado Hugo Motta não quis comentar nenhum dos casos.
Possíveis consequências
Juristas ouvidos pela imprensa apontam que o caso pode configurar acúmulo ilegal de cargos e até improbidade administrativa. O Ministério Público Federal e a própria Mesa Diretora da Câmara podem abrir investigações formais e cobrar documentos sobre os vínculos de Louise.
Se comprovadas as irregularidades, Motta pode ser alvo de ações civis e administrativas, inclusive com risco de responsabilização por contratação irregular, nepotismo cruzado e conivência com funcionários fantasmas.
O escândalo reacende o debate sobre a falta de fiscalização nos gabinetes parlamentares e os limites da atuação remota de assessores lotados nos estados — um modelo sem transparência e com ampla margem para desvios.
O que diz a lei
Cargos comissionados na Câmara exigem dedicação exclusiva;
Acúmulo com outras funções públicas é proibido, exceto em casos específicos (como professores ou profissionais da saúde com carga compatível, o que não se aplica a cargos de confiança política);
Falta de controle de jornada pode caracterizar enriquecimento ilícito e dano ao erário.
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